Volume 21 - Janeiro de 2016
Editor: Walmor J. Piccinini - Fundador: Giovanni Torello
Janeiro de 2016 - Vol.21 - Nº 1
Psiquiatria na Infância e Adolescência
CONSULTORIA EM SAÚDE MENTAL DO ESCOLAR NO BRASIL: O QUE ESPERAR?
A grande distância entre os
profissionais da escola e dos serviços de saúde mental para a infância e a
adolescência ainda é um obstáculo para a implantação de propostas de intervenções
aos alunos portadores de transtornos mentais. Relatórios técnicos, contatos
telefônicos irregulares, agendas sobrecarregadas devido à escassez de profissionais
que abordam os aspectos psíquicos da infância e da adolescência nos serviços
públicos, além do estigma em relação ao paciente psiquiátrico, são barreiras
adicionais. Promoção e prevenção em saúde mental do escolar, enquanto
estratégias baseadas em evidências, não são utilizadas de forma prioritária,
devido a sua baixa oferta. Mais do que afirmações pessimistas, são realidades
vivenciadas, em proporções distintas, no Brasil e no mundo. As disparidades
socioeconômicas em um país de dimensões continentais colaboram, sobremaneira,
para a piora do nível educacional do país, sobretudo na rede pública de ensino.
Em 2010, o autor iniciou pesquisas
aleatórias acerca de experiências em estratégias em saúde mental do escolar
pelo mundo. Foram detectados
vários serviços dedicados à área, com destaque para o Canadá e os Estados
Unidos da América: Ontario
Centre of Excellence for Child & Youth Mental Health, Mental Health
Commission of Canada, The Georgetown University Center for Child and Human
Development, The California School-Based Health Alliance, The Washington
University Mental Health Integration Program, Directions Evidence and Policy
Research Group of Canada. Utilizar
o conhecimento desses grupos para a realidade brasileira tornou-se um novo
obstáculo.
Dois anos após, com apoio e estímulo
de um pediatra com interesse singular em alterações do desenvolvimento na
infância e na adolescência, foi iniciado um projeto-piloto de consultoria em
saúde mental do escolar na cidade de Mogi Mirim-SP, para profissionais da
educação e da saúde (redes pública e privada). A experiência foi breve, mas, importante,
pois ratificou a necessidade de equipes multidisciplinares integradas sob a
coordenação de uma consultoria especializada.
Há um ano, em dezembro de 2014, o
contato com as pesquisas de Mina Fazel (Inglaterra) e
de Vikram Patel (Índia) impulsionou
a formação de uma consultoria em saúde mental do escolar. Por exemplo, Patel tem participação direta em projetos para uma organização
não-governamental da Índia (SANGATH): SHAPE (School Health Promotion and Empowerment [2008-2014]) e
SEHER (Strengthening the Evidence Based on Effective School-Based
Interventions for Promoting
Youth Health [2013-2017]). Houve
colaboração por parte de pesquisadores, financiadores e instituições
colaboradoras. No Brasil, um estudo epidemiológico com crianças e adolescentes
de quatro regiões do país concluiu que menos de 20% das crianças e adolescentes
com transtornos mentais foram avaliados em serviços de saúde mental nos últimos
12 meses, e detectou que fatores estruturais, psicossociais e demográficos
foram associados a acesso desigual àqueles serviços (PAULA et
al, 2014).
No tocante à educação, a busca
pelo seu direito para crianças e adolescentes sempre foi um desafio,
principalmente nos países em desenvolvimento e subdesenvolvidos. Em uma
tentativa global de resolver a questão, integrantes de 191 países aprovaram os Objetivos
de Desenvolvimento do Milênio, incluindo o de garantir que todas as crianças e
adolescentes tivessem a oportunidade de concluir o ensino fundamental (United Nations Millennium Declaration, 2000-2001). No Brasil, a despeito do aumento
do acesso à escola, o prazo para que tal objetivo fosse concluído, dezembro de
2015, não foi suficiente (Programa das Nações Unidas para o Desenvolvimento, 2015).
A
dificuldade para que a saúde (incluindo a mental) fosse abordada como uma das
estratégias de melhora da educação brasileira é histórica. Após o encerramento de 21 anos de ditadura
militar, em 1985, a democracia incipiente buscou o aprimoramento das estratégias
de educação e de saúde, com aproximação entre os Ministérios da Saúde e da
Educação. Na década seguinte, as diretrizes e bases da educação nacional
tornaram-se lei, mas, não houve referência à utilização da saúde mental para a
promoção da educação. Em 2005, a saúde
na escola passou a ser institucionalizada pelo Ministério da Saúde; dois anos
após, por meio de decreto, foi instituído o Programa Saúde na Escola (PSE) (Ministério
da Saúde, 2007). Recentemente, em 2013, o PSE instituiu, dentre as áreas
temáticas, a Saúde Mental no Território Escolar; foi proposto que houvesse a
participação conjunta das escolas, das equipes de atenção básica em saúde, dos Centros
de Referência de Assistência Social (CREAS), dos Conselhos Tutelares, das
equipes de saúde mental, além de outros setores ligados às políticas públicas que
garantissem os direitos de crianças, adolescentes e jovens (Ministério da
Saúde, Ministério da Educação, 2015).
O hiato entre proposta e prática de
trabalho com os agentes da saúde e da educação pode ser confirmado a partir da
realidade da maioria das escolas públicas do Brasil. O encaminhamento de alunos
com dificuldades emocionais, comportamentais e acadêmicas a serviços aptos a
acolher tais demandas, quando esses estão disponíveis, provê práticas de
intervenção, em detrimento da promoção e da prevenção em saúde mental.
Então, por que uma consultoria em
saúde mental do escolar é necessária para auxiliar a reestruturação da educação
no Brasil? Dentre as justificativas, são destacadas as seguintes (FAZEL et al, 2014):
-Bullying
(violência escolar) ® Em países desenvolvidos, atinge 46%
dos alunos. Ideação suicida e tentativas de suicídio ocorrem
duas vezes mais em jovens vitimados. Há aumento da prevalência de ansiedade,
depressão e automutilação nessa população vulnerável.
-Relacionamento
fraco entre alunos e professores ® Preditivo de início de
transtornos psiquiátricos na infância. Aumenta a possibilidade de baixo
desempenho acadêmico, além de Síndrome de Burnout entre os professores;
também, colabora para o abandono da profissão de docente.
O gerenciamento das ações em
saúde mental do escolar encontra justificativas éticas e científicas para tal:
ênfase na promoção e na prevenção em saúde mental, democratização do acesso aos
serviços especializados para aqueles que necessitem de intervenção, além da melhora
psíquica e do aproveitamento acadêmico (FAZEL, 2014). Para que haja práticas
efetivas no ambiente escolar, é mister o trabalho
conjunto entre os profissionais envolvidos nesse nicho com a rede de atenção
psicossocial.
Em relação aos transtornos
mentais e comportamentais de alunos, de acordo com a metanálise
de 41 estudos realizados entre 1985 e 2012, em 27 países em todo o mundo, a
estimativa de prevalência dos transtornos mentais na infância e na adolescência
é a seguinte (POLANCZYC et al, 2015):
-Qualquer transtorno mental ®
13,4%
-Transtornos de ansiedade ®
6,5%
-Transtornos depressivos ®
2,6%
-Transtorno depressivo maior ® 1,3%
-Transtorno do déficit de atenção/hiperatividade
® 3,4%
-Transtornos disruptivos
® 5,7%
-Transtorno de oposição desafiante
® 3,6%
-Transtorno de conduta ®
2,1%
A implementação
de consultoria em saúde mental do escolar é um desafio imenso, mas, não é impossível
de ser alcançada. Porém, exigirá esforços políticos e técnicos para
proporcionar: 1)discussões clínicas regulares acerca de alunos previamente
escolhidos pelos orientadores pedagógicos; 2)reuniões com pais e profissionais
da escola; 3)contato com profissionais afins; 4)orientação acerca do
encaminhamento de alunos que necessitem de cuidados adicionais de saúde mental;
5)aconselhamento sobre os planos de tratamento até que os alunos recebam,
efetivamente, cuidados adequados; 6)disponibilização de recomendações ou
referências bibliográficas; 7)encaminhamento de alunos que necessitem
esclarecer questões psíquicas, comportamentais, familiares e sociais a serviços
especializados específicos; 8)reuniões/palestras (presencialmente e/ou por
videoconferência; 9)elaboração de materiais educativos (promoção, prevenção e
intervenção em saúde mental do escolar).
Com educação de alto nível a
partir do cuidado com o ambiente onde as crianças e adolescentes passam a maior
parte de suas vidas permitirá que, um dia, nosso país seja formado por cidadãos
engajados na missão de transformar nossa nação em um gigante de fato. Outras
nações já conseguiram; por que não conseguiremos?
*Psiquiatra
da Infância e da Adolescência, Pediatra, Consultor em Saúde Mental do Escolar.
E-mail: drbrunno@psiquiatriaepediatria.com .
Referências bibliográficas:
·
Caderno
do gestor do PSE. Ministério da Saúde, Ministério da Educação. Brasília:
Ministério da Saúde, 2015. 68 p. : il.
·
Escolas
promotoras de saúde: experiências do Brasil. Ministério da Saúde, Organização
Pan-Americana da Saúde. Brasília: Ministério da Saúde, 2007. 304 p.
·
FAZEL M; PATEL V; THOMAS S3; TOL W (2014) - Mental
health interventions in schools in low-income and middle-income countries. Lancet
Psychiatry. Oct; 1(5):388-98.
·
PAULA CS; BORDIN IA; MARI JJ; VELASQUE L; ROHDE LA;
COUTINHO ES (2014) - The mental health care gap among children and adolescents:
data from an epidemiological survey from four Brazilian regions. Public Library of Science. Feb 18;9(2).
·
POLANCZYK
GV; SALUM GA; SUGAYA LS; CAYE A; ROHDE LA (2015). Annual
research review: A meta-analysis of the worldwide prevalence of mental
disorders in children and adolescents. Journal
of child psychology and psychiatry. Mar; 56(3):345-65.
·
United Nations Millennium Declaration. DPI/2163 - Portuguese
- 2000 - August 2001. United Nations Information Centre, Lisbon.
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