O site "Pedline", idealizado pelo colega cirurgião pediátrico Rogério Fortunato, tem o propósito de tornar-se uma fonte de auxílio aos pais para acesso a diversas condições pediátricas. Para acessar a matéria na íntegra, basta clicar na figura abaixo.
Fonte: Pedline (http://pedline.org.br)
Ano: 2016
TRANSTORNO DO ESPECTRO DO AUTISMO
Atualização
INTRODUÇÃO. O Transtorno do
Espectro do Autismo (TEA) é uma condição neuropsiquiátrica que se caracteriza por alterações em três áreas do desenvolvimento infantil: relacionamento social, comunicação
social e comportamentos. Tais características costumam surgir durante os
primeiros três anos do desenvolvimento, mas, há indivíduos que manifestam as
mesmas de forma perceptível mais tardiamente.
EPIDEMIOLOGIA. Aproximadamente 1 em cada 100 crianças
apresenta TEA, com número crescente de casos, sendo mais comum do que a
Síndrome de Down. Há hipóteses que tentam explicar o aumento do número de casos
na população: melhora da capacidade de reconhecimento da condição, maior
divulgação sobre o assunto, além de fatores ambientais “ativando”
características genéticas.
O TEA é diagnosticado cerca de quatro vezes mais no sexo masculino do que
no feminino. Porém, em meninas, é mais comum a existência adicional de
deficiência intelectual, provavelmente porque o sexo feminino sem
comprometimento intelectual apresenta quadro mais leve de prejuízos sociais e
da comunicação, com reconhecimento mais difícil.
Os pais de crianças autistas que
pensam em ter outro filho frequentemente angustiam-se com o medo de que nasça outro
indivíduo com o mesmo diagnóstico. Para diminuir essa preocupação, o ideal
seria que esses casais recebessem a orientação de um médico geneticista para
investigação de causas que possam ocorrer novamente (Síndrome do X-Frágil, por
exemplo). Mas, geralmente, as chances de um segundo filho autista são as
seguintes: 4% (se o primeiro filho com TEA for do sexo feminino); 7% (se o
primeiro filho com TEA for do sexo masculino). Se um casal possui dois filhos
portadores do TEA, o risco de que o terceiro filho apresente a mesma condição
aumenta bastante (25-30%).
HISTÓRIA. em 1867, o médico inglês Henry Maudsley descreveu
crianças com comportamentos estranhos como portadores de “psicose infantil”.
Após, em 1943, o psiquiatra austríaco Leo Kanner observou crianças que se
afastavam-se dos outros, não utilizavam a linguagem para comunicar-se, e
insistiam em brincar sempre do mesmo jeito. Surgia, então, o termo ““distúrbio
autístico do contato afetivo”. Kanner também utilizou o termo “mães geladeiras”
para definir aquelas que se mantinham frias e distantes de seus bebês
recém-nascidos, levando-os a desenvolver autismo.
No século passado, antes da década de 60, através
da influência da psicanálise, houve a preferência pelo termo “psicose
infantil”. Nas décadas de 60 e 70, no entanto, surgiram evidências de que a psicose
e o transtorno do espectro do autismo não eram sinônimos; na década de 80, houve
a confirmação de que eram condições distintas. Atualmente, não há evidência
científica de que o autismo seja decorrente de fatores psicossociais, incluindo
inadequação familiar.
ETIOLOGIA. Dentre as causas do TEA, destacam-se: fatores
genéticos (anormalidades cromossômicas, pequenas deleções/duplicações
do DNA, condições decorrentes de um único gene) e metabólicos (erros inatos do
metabolismo). Também, há casos de TEA decorrentes de fatores externos
(infecções do sistema nervoso central, traumatismo craniano). Porém, muitos
casos não são esclarecidos pela limitação da ciência em campo tão complexo.
CONDIÇÕES ASSOCIADAS. Deficiência intelectual está
presente em aproximadamente 75% dos autistas (1/3 leve/moderada e 2/3
grave/profunda). Microcefalia (10%) está associada a
mau prognóstico, enquanto macrocefalia ocorre em 20-40% dos casos. Epilepsia
está presente em 25%.
DIAGNÓSTICO. Para que haja suspeita de qualquer alteração no
desenvolvimento infantil, é necessário que os padrões de normalidade sejam
reconhecidos. De acordo com a Academia Americana de Neurologia e a Sociedade
Americana de Neurologia Infantil, todas as crianças devem ser avaliadas, em
todas as consultas pediátricas, até o período escolar, para que sejam
detectadas possíveis dificuldades em aceitação social, na aprendizagem ou no comportamento.
As características mais comuns que aumentam a chance de uma criança ser
portadora de TEA são as seguintes:
-Alteração no relacionamento
social ® As crianças, em seus primeiros anos de vida,
podem apresentar indiferença em relação a terceiros, além de pouco contato
visual. As crianças maiores têm dificuldade para apresentar comportamentos
esperados para uma situação, além de dificuldade para perceber como os outros
se sentem. É comum que consigam contato mais adequado com adultos e crianças
mais novas do que com crianças da mesma idade. Os adolescentes têm maior
dificuldade para desenvolver amizades íntimas.
-Alteração na
comunicação social ® Incluem alterações
da linguagem verbal expressiva (fala) e receptiva (compreensão), além da
comunicação não-verbal (gestos). Pode haver diminuição do balbucio, atraso na
fala ou ausência de fala útil (esse ocorre em aproximadamente 50% dos
autistas), repetição de palavras e frases de outras pessoas (ecolalia),
inversão pronominal (“você gosta” ao invés de “eu gosto”), uso de palavras e de
frases fora do contexto, além de palavras inexistentes (neologismos). O
discurso é substituído por monólogo, geralmente para exigir algo (no
imperativo). Prejuízo na entonação das palavras (prosódia) e dificuldade para
perceber que os assuntos de seu interesse não são interessantes para os
ouvintes geralmente ocorrem.
-Alterações no
comportamento ® O portador de TEA
costuma apresentar grande dificuldade para brincar de faz-de-conta (pensamento
simbólico). Há insistência em um determinado interesse (canudos, por exemplo),
grande dificuldade em ser contrariado, gosto por rotinas rígidas, movimentos
repetitivos e intencionais (estereotipias), além do hábito de enfileirar
objetos. Interesses excêntricos e restritos, como detalhar sobre o surgimento
do universo ou descrever sobre o funcionamento da ressonância magnética (“ilhas
de precocidade”), podem surgir. Agitação psicomotora, acessos de raiva, auto /
heteroagressividade, insônia, seletividade alimentar, além de doenças físicas
(infecções, sintomas gastrointestinais, convulsões febris) ocorrem com
frequência.
Os sinais de alerta que exigem intervenção especializada incluem: não balbuciar
até 12 meses de vida, não gesticular (apontar, acenar) até 12 meses, não
pronunciar ao menos uma palavra até 16 meses, não pronunciar frases com ao
menos duas palavras espontâneas até 24 meses, além de perda de habilidades
sociais ou de linguagem em qualquer idade. A equipe deve incluir,
preferencialmente: psiquiatra da infância e da adolescência, neurologista
pediátrico, geneticista e psicólogo. Preferencialmente, esses especialistas
devem ter experiência em assistência a portadores de TEA.
Os exames complementares devem ser solicitados de acordo com o caso, visto
que uma avaliação clínica bem feita direcionará a investigação diagnóstica
posterior. Por exemplo, uma criança autista com deficiência intelectual
moderada e Transtorno do Déficit de Atenção/Hiperatividade (TDA/H) que
apresente macrocefalia, orelhas proeminentes, face alongada e hiperextensão
articular pode apresentar a Síndrome do X Frágil. A solicitação de exame
específico (neste caso, a análise molecular do gene FMR1) evita investigações
sem foco no diagnóstico.
TRATAMENTO. As intervenções terapêuticas devem
ser multidisciplinares, incluindo:
-Análise comportamental aplicada (ABA) ® É uma das intervenção validadas para crianças com TEA, ganhando cada vez
mais reconhecimento como um programa de intervenção comportamental “em casa”.
-Terapias pedagógicas, fonoaudiológicas e ocupacionais ® Adaptação para as necessidades específicas de cada criança.
-Tratamento psiquiátrico ®Tem, como um dos objetivo, permitir que a criança tenha atenuação
do sofrimento psíquico causado pelas comorbidades psiquiátricas (30% dos
casos): TDA/H, auto/heteroagressividade, Transtornos Psicóticos, destrutividade,
Transtornos Depressivos, Transtorno Bipolar, Transtorno de Tiques, dentre
outras. A melhora no desenvolvimento, além da inclusão educacional e familiar
da criança e sua inclusão, são metas adicionais.
CURSO E PROGNÓSTICO. Ausência de deficiência
intelectual e uso de linguagem comunicativa iniciada até 5 - 7 anos melhoram o
prognóstico. Cerca de 2/3 dos adultos com TEA dependem de familiares ou
instituições, e 1-2% adquirem uma condição de vida normal (independência /
emprego). Entre 5-20% alcançam condição normal limítrofe.
Caso haja ambiente
que satisfaça as necessidades dos indivíduos autistas, a melhora adicional do
prognóstico será possível. O passo inicial é a detecção precoce. Uma sugestão
seria a utilização sistemática da
Caderneta de Saúde da Criança (10ª edição – 2015 – Ministério da Saúde), que
oferece dados sobre o desenvolvimento mental, emocional e social esperados para
crianças na primeira infância (nascimento até 6 anos). Pais que são
incentivados pelos pediatras a acompanhar o desenvolvimento de seus filhos
estarão mais aptos a perceber qualquer alteração, aumentando as chances de
investigação o quanto antes.
"Em nenhuma circunstância as informações
aqui publicadas substituem a consulta com o seu médico"
"Para mais informações procure sempre o
seu Psiquiatra da Infância e da Adolescência e realize uma consulta presencial
antes de qualquer iniciativa"
DR.
BRUNNO ARAÚJO NÓBREGA
PSIQUIATRA
DA INFÂNCIA E DA ADOLESCÊNCIA
CRM-SP
118.392
Gostei muito do texto.
ResponderExcluirAtt, Karina
Obrigado por ter apreciado a postagem, Karina.
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